Mudança no blog

Hoje adicionei uma nova página ao blog, que pode ser acessada na barra ali em cima: “Pergunte ao autor”. Nela, vocês podem fazer perguntas ou sugerir posts. Fiz isso porque percebi que um dos maiores motivos que me levaram a perder a motivação de escrever aqui é que o processo estava unilateral demais. Eu escrevia sobre um assunto sem ter a mínima ideia se ele interessava à maioria dos leitores, e mesmo depois de publicado eu continuava sem ter uma boa percepção sobre a utilidade ou o impacto de cada post.

Espero que isso possa solucionar o problema, e que venha a ser a fonte principal de pautas para os posts. Eu ainda espero escrever ocasionalmente sem ser em resposta a uma pergunta, mas isso teria que esperar até eu voltar a fotografar, o que não tenho feito nos últimos meses. Então peço a todos que em algum momento gostaram de algum post que pensem em perguntas ou pedidos, de modo que eu consiga reativar este blog e transformá-lo em algo mais participativo.

Clique aqui para ir para a página de perguntas e pedidos.

Workshop – 2

Curitiba, 2011

Modelo: Julia Alcântara
Produção de make e hair: Leticia Kosinski
Figurino: DI LUSSO

Fiz a foto acima como participante de um workshop de fotografia de moda e retratos, ministrado por Carolina Pessôa durante o Movimento fotográfico, circuito de workshops que aconteceu no ano passado e no qual ministrei o mini-curso de fotografia casual. Apesar de não ter muito interesse na área (tanto profissional quanto pessoal), resolvi fazê-lo pela curiosidade de ver como são os métodos aplicados e ter a percepção in loco dessa diferente abordagem, desse modo de pensar diferente usando apesar disso ferramentas similares.

Creio que todos deveriam periodicamente experimentar esse tipo de exercício, por vários motivos:

  • Sair da zona de conforto é sempre bom para ampliar seus horizontes. Pensar em posicionamento de câmera para paisagens ou arquitetura, por exemplo, acaba se restringindo a um repertório consolidado após um tempo, e é necessário um esforço consciente para evitar a acomodação. Em retratos o posicionamento tem critérios e objetivos diferentes, o que força nova atividade intelectual para descobrir novas possibilidades. Algumas delas (ou seus aspectos isolados) podem ser transpostos para a área de atuação original.
  • As curvas de aprendizado de qualquer atividade se tornam menos drásticas com o passar do tempo. Ou seja, para quem se especializou numa área e tem milhares de horas já dedicadas a ela, duas horas a mais fazem uma diferença insignificante. Isso leva, em alguns casos, à falta de motivação, pois não há sensação de progresso. Duas horas em uma área completamente nova, ao contrário, trazem inúmeras novidades. Os efeitos psicológicos do aprendizado são subestimados pela maioria das pessoas, e são transpostos para todas as outras atividades (um bom exemplo são as pessoas que começam um novo hobby e têm melhor rendimento no trabalho, que já não parece tão monótono).
  • Ideias novas precisam de associações novas. Para que estas ocorram, é preciso um grande repertório e uma vasta variedade de estímulos. Ao fotografar algo diferente, se tem a mistura de áreas já conhecidas (câmera, técnica, linguagem visual, bidimensionalização) com outras completamente novas (modelagem de luz no rosto, direção de modelo, expressão corporal), o que é terreno fértil para o pensamento lateral (adaptação de soluções de uma situação para outra através de associações inusitadas entre coisas aparentemente desconexas).
  • Um pequeno aprofundamento em uma área pode evidenciar aspectos novos que despertem o interesse. Dificilmente isso causa uma mudança drástica de gosto, mas é na capacidade de refinar a atitude em relação a algo que residem os julgamentos mais elaborados, dissolvendo estereótipos e permitindo uma apreciação maior, bem como tolerâncias maiores em relação ao que é diferente.

Em cursos de graduação esses exercícios acontecem com frequência na maioria das áreas, dado o currículo obrigatório a ser cumprido. Uma desvantagem do aprendizado autônomo é que, justamente por poder customizá-lo, é comum cada um se restringir à sua área de maior interesse. Não que isso mude minha opinião sobre o ensino de modo geral, mas é preciso que os autodidatas fiquem atentos e se forcem a exercitar além do que eles julgam ser “sua fotografia”.

Retrospectiva 2011

Comecei este blog em fevereiro. Desde então, escrevi 42 vezes aqui. A enorme maioria dos leitores o descobriu nos últimos meses, e portanto imagino que tenha lido somente uma parcela do que já foi publicado, mas às vezes não tem disposição para vasculhar os arquivos. Vou listar aqui então os que foram, na minha opinião, os dez melhores posts desse primeiro ano (independentemente da categoria e sem ordem específica). Caso algum leitor mais antigo discorde da minha seleção por favor comente, pois tenho curiosidade de ver as listas de outras pessoas.

Azul

Purungo fora da tenda

Altstadt

Céu centrado

Figura frontal

Solidão

Abcdefghij

Ale e a pipa

Descendo

Fim de tarde em Barcelona

Voltando

Ilha do povo de Uros

Lago Titicaca, Peru, 2009

A posição da câmera é o ponto de partida da composição: ao determinar como a projeção dos objetos do mundo tridimensional se dará sobre o sensor/filme, ela molda a estrutura básica da tradução para a linguagem fotográfica bidimensional. Dada essa importância, é comum ao fotógrafo constatar, frustrado, que a foto que ele idealiza é impraticável por não ser possível posicionar a câmera exatamente onde seria preciso. Em outras situações, o problema é o posicionamento dos elementos da cena, que nem sempre pode ser alterado. Quando todas as condições são favoráveis, é comum os fotógrafos falarem de um sentimento indefinido, uma súbita excitação, pois ali eles sabem que uma boa foto pode ser feita, e que sua concretização só depende deles.

A foto acima foi um desses momentos, mas antes de falar sobre ela, uma contextualização se faz necessária: o povo de Uros constrói ilhas totalmente artificiais, usando uma espécie de junco que cresce no lago, que também é usado para construir casas, barcos, além de servir de alimento. Retratar seus membros em uma de suas ilhas não mostra o tamanho diminuto e aparente fragilidade delas; tais características, por sua vez, ficam evidentes somente ao se fotografar de fora da ilha. Nesse caso, contudo, uma foto somente da ilha não mostra seus habitantes, o que causa um vácuo pela falta de explicação, de designar a ela uma função, um propósito. Do ponto de vista compositivo, dois elementos também permitem mais possibilidades do que um, ao conjugá-los de diferentes maneiras e estabelecer relações entre eles.

Voltando à foto: ciente do problema, havia me contentado em somente fotografar as pessoas junto a suas casas, o artesanato e outros objetos pessoais. Quando foi oferecida uma volta em uma de suas jangadas por um preço módico, aceitei, pois pensei que pelo menos a possibilidade de fotografar a ilha seria proporcionada e me contentaria com ela. Ao fim do passeio, contudo, somos levados a outra ilha não muito distante dali e informados de que nossa condução iria até lá nos buscar. Logo que vi o jangadeiro retornando à sua ilha de origem, a cena ficou clara à minha frente, e eu sabia que aquela foto seria a melhor para ilustrar o que eu queria sobre o povo de Uros do que todas as outras que já havia feito. Fiz várias, e escolhi essa pela postura da mulher na jangada, e porque sua filha estava escondida atrás dela (visível ainda junto a suas pernas). E também sabia, ao ver a conjunção desses fatores, que ela seria a melhor da série. Talvez a única coisa que gostaria que fosse diferente é a postura do jangadeiro.

Eu obviamente não sabia que teria essa oportunidade na hora de aceitar ou não o passeio de jangada, pois também não sabia que iria para outra ilha. A maioria do grupo preferiu não pagar pelo passeio, mas nesses casos prefiro imaginar que as chances de uma oportunidade acontecer são maiores quanto mais variações são introduzidas. Continuar na mesma ilha quase com certeza não ia oferecer novas oportunidades, então é preferível aceitar o passeio, por mais que não pareça promissor à primeira vista. Isso pode parecer conflitante com a ideia de esperar pela foto — procedimento comum na fotografia de rua — mas na verdade não é. Nesse caso, a variação é justamente aquilo pelo qual se espera.

Altstadt

Ulm, Alemanha, 2009

Só uma vez na vida tive a oportunidade de sair para fotografar durante a noite sozinho sem ter medo de ter o equipamento roubado. A diferença entre fotografar de dia, deve-se notar, não se resume à maior insegurança intrínseca às cidades devido à menor iluminação e à diminuição do número de pessoas. O principal problema é na verdade que o tripé (quase obrigatório) adiciona muito tempo ao processo (por ser necessário montá-lo e ajustá-lo) e também chama mais atenção. Desmontá-lo e guardá-lo entre cada foto é a tal ponto trabalhoso e demanda tanto tempo que não é alternativa viável. A presença de mais pessoas até certo ponto ameniza a insegurança, mas para muitos (como eu) desfigura o processo fotográfico, que se desenvolve com plenitude somente na solidão.

Portanto, nessa oportunidade — que tive por se tratar de uma pequena e extremamente segura cidade — tive a paz de espírito para poder tirar a foto acima, com longa exposição (30 segundos) e tempo necessário para fazer algumas tentativas diferentes e definir experimentalmente a melhor posição para a câmera. Não é exagero dizer que esta (e todas as outras fotos desta noite) só foram possíveis pela sensação de segurança, mais até do que pela segurança de fato. Por ser uma atividade mental, as fotografias são não apenas alteradas, mas sim determinadas, pelo estado emocional do fotógrafo. Não posso falar por todos, mas eu percebo que para mim tal postulado se aplica, pois olhando minha seleção de temas e escolhas compositivas percebo (e me lembro) se estava triste, efusivo, preocupado, relaxado.

É por isso que muitos dizem (e eu concordo com eles) que o seguro do equipamento não é só uma boa medida do ponto de vista financeiro: ele acaba melhorando a qualidade das fotos, ao eximir o fotógrafo da preocupação incessante com roubos e furtos. Pois do mesmo jeito que o equipamento não deve se tornar obstáculo entre o fotógrafo e a foto, o seu valor monetário também não deveria.

Azul

Praia de Coki, Ilhas Virgens, 2006

O cérebro humano adora identificar padrões. Isso é essencial para o aprendizado, que trabalha com o sistema de auto-recompensa para que o indivíduo se sinta estimulado a repetir ações que trazem bons resultados. O lado negativo desse mecanismo é que muitos padrões que não existem são reconhecidos. Isso cria o paradoxo do randômico ordenado: para que alguma coisa pareça realmente aleatória é preciso cuidadosamente anular quaisquer coincidências que ocorram, pois elas deixariam implícito um padrão apesar de se tratarem somente da variância estatística normal. Assim, se uma pessoa joga um dado seis vezes seguidas, é improvável que cada número apareça uma única vez, pois isso se trata de apenas uma possibilidade entre muitas outras nas quais um dos números se repete, mas essas repetições poderiam ser interpretadas como um padrão.

Um caso famoso é o do shuffle do iPod. Ao embaralhar as músicas, é natural que em algum momento duas músicas do mesmo álbum ou da mesma banda apareçam em sequência. Os usuários, achando que o aparelho estava influenciando no embaralhamento nas músicas, reclamaram, e a Apple alterou o algoritmo, tornando-o menos randômico (ou seja, quando ele identificava as coincidências ele manualmente alterava a ordem das músicas para desfazê-las) para que ele parecesse mais randômico.

Na fotografia, a aplicação mais comum deste paradoxo é em relação ao arranjo espacial de elementos: na foto acima, as gaivotas em cada instante assumem uma distribuição diferente no espaço bidimensional. Das doze fotos que tirei em sequência, a mostrada acima é a que parece mais randômica. Todas as outras parecem de algum modo influenciadas por algum fator externo: ou elas se concentram em um dos lados, ou elas formam linhas retas, curvas previsíveis, formas geométricas. E mesmo nesta é possível identificar alguns padrões que não existem, o mais notável deles formado pelas seis gaivotas mais próximas à garota, formando uma elipse. Isso poderia até resultar em uma interpretação de que as seis voavam mais perto dela em círculos, enquanto as outras descreviam trajetórias mais caóticas, mas o fato era que todas elas variavam de altitude e distância a cada segundo.

O paradoxo maior, na verdade, é o fato de que os arranjos percebidos como randômicos também são padrões, e na verdade muito mais simples de serem descritos do que arranjos realmente randômicos. Os seis lances de dados em que cada número aparece uma vez pode ser descrito simplesmente como: números de um a seis, sem repetições. Já uma sequência randômica, por exemplo: 3, 2, 3, 6, 1, 4 teria que ser descrita como: números de um a seis, exceto o cinco, com repetição do três. E esse é um dos motivos pelos quais eles são mais agradáveis perceptualmente, tal qual as gaivotas na foto acima em comparação com as outras onze fotos. Isso se relaciona ao princípio da simplicidade descrito dois posts atrás: ambos os resultados podem ser fruto de um fenômeno aleatório, mas um deles é mais simples que o outro, e portanto tem preferência.

O que tudo isso quer dizer para a fotografia em geral? Quer dizer que, quanto mais randômico você quer que alguma coisa pareça, mais minuciosamente você precisa interferir nela.