Lago Titicaca, Peru, 2009
A posição da câmera é o ponto de partida da composição: ao determinar como a projeção dos objetos do mundo tridimensional se dará sobre o sensor/filme, ela molda a estrutura básica da tradução para a linguagem fotográfica bidimensional. Dada essa importância, é comum ao fotógrafo constatar, frustrado, que a foto que ele idealiza é impraticável por não ser possível posicionar a câmera exatamente onde seria preciso. Em outras situações, o problema é o posicionamento dos elementos da cena, que nem sempre pode ser alterado. Quando todas as condições são favoráveis, é comum os fotógrafos falarem de um sentimento indefinido, uma súbita excitação, pois ali eles sabem que uma boa foto pode ser feita, e que sua concretização só depende deles.
A foto acima foi um desses momentos, mas antes de falar sobre ela, uma contextualização se faz necessária: o povo de Uros constrói ilhas totalmente artificiais, usando uma espécie de junco que cresce no lago, que também é usado para construir casas, barcos, além de servir de alimento. Retratar seus membros em uma de suas ilhas não mostra o tamanho diminuto e aparente fragilidade delas; tais características, por sua vez, ficam evidentes somente ao se fotografar de fora da ilha. Nesse caso, contudo, uma foto somente da ilha não mostra seus habitantes, o que causa um vácuo pela falta de explicação, de designar a ela uma função, um propósito. Do ponto de vista compositivo, dois elementos também permitem mais possibilidades do que um, ao conjugá-los de diferentes maneiras e estabelecer relações entre eles.
Voltando à foto: ciente do problema, havia me contentado em somente fotografar as pessoas junto a suas casas, o artesanato e outros objetos pessoais. Quando foi oferecida uma volta em uma de suas jangadas por um preço módico, aceitei, pois pensei que pelo menos a possibilidade de fotografar a ilha seria proporcionada e me contentaria com ela. Ao fim do passeio, contudo, somos levados a outra ilha não muito distante dali e informados de que nossa condução iria até lá nos buscar. Logo que vi o jangadeiro retornando à sua ilha de origem, a cena ficou clara à minha frente, e eu sabia que aquela foto seria a melhor para ilustrar o que eu queria sobre o povo de Uros do que todas as outras que já havia feito. Fiz várias, e escolhi essa pela postura da mulher na jangada, e porque sua filha estava escondida atrás dela (visível ainda junto a suas pernas). E também sabia, ao ver a conjunção desses fatores, que ela seria a melhor da série. Talvez a única coisa que gostaria que fosse diferente é a postura do jangadeiro.
Eu obviamente não sabia que teria essa oportunidade na hora de aceitar ou não o passeio de jangada, pois também não sabia que iria para outra ilha. A maioria do grupo preferiu não pagar pelo passeio, mas nesses casos prefiro imaginar que as chances de uma oportunidade acontecer são maiores quanto mais variações são introduzidas. Continuar na mesma ilha quase com certeza não ia oferecer novas oportunidades, então é preferível aceitar o passeio, por mais que não pareça promissor à primeira vista. Isso pode parecer conflitante com a ideia de esperar pela foto — procedimento comum na fotografia de rua — mas na verdade não é. Nesse caso, a variação é justamente aquilo pelo qual se espera.