Somando tempos de exposição por média de layers

Este post é um pouco diferente, visto que trata de uma foto que fiz somente para mostrar uma técnica. Apesar de ele parecer mais um tutorial que um relato do “antes do click”, acho que se enquadra no blog. Não pretendo, contudo, fazer muitos posts desse tipo.

Há algum tempo atrás, havia imaginado como a técnica de tirar a média de várias exposições (que é explicada em detalhes neste tutorial do Cambridge in Colour) poderia ser usada para se somar o motion blur de todas elas. Explicando de maneira resumida: a técnica começa com várias fotos feitas com tripé da mesma cena. Em seguida, na pós-produção, elas são sobrepostas, cada uma em uma layer, de modo que se obtenha várias layers idênticas. A única diferença seria o ruído, que se apresentaria de modo diferente em cada uma. Ao se tirar a média de todas as layers (ou seja, misturá-las na mesma proporção), se obteria uma imagem com bem menos ruído, já que há mais amostras.

O uso que eu imaginei seria o seguinte: com várias exposições de algo em movimento, a média delas nada mais seria do que a soma de todos os seus tempos de exposição. E por que isso seria melhor do que fazer uma única longa exposição? Porque em várias situações isso não é possível ou desejável. Por exemplo: para fotografar cachoeiras durante o dia, o tempo de exposição longo requerido para deixar a água suave faria resultaria em uma superexposição severa, mesmo em uma abertura baixa. Isso é geralmente resolvido com filtros ND (densidade neutra), ao custo de uma pequena queda na qualidade de imagem (mesmo com um bom filtro). Também são utilizadas aberturas muito pequenas, que implicam em difração, e portanto perda de nitidez.

Com a média das layers, pode-se trabalhar sem filtro ND, na abertura desejada (por exemplo o sweet spot da lente, ou uma grande abertura caso se queira uma profundidade de campo pequena) e com mais flexibilidade para escolher exatamente quanto tempo de exposição, pois basta tirar mais fotos (e depois ainda é possível mudar de ideia e não usar todas). Ela também pode ser combinada com as possibilidades já existentes para se conseguir tempos de exposição ainda maiores.

Ia esperar uma boa oportunidade para testar a técnica, mas aconteceu de um amigo meu ter justamente os problemas citados ao fazer uma foto, então resolvi fazer a foto abaixo (e também escrever este post) para explicar melhor.

esq.: sem média; dir.: com média

A foto da esquerda é uma das originais, em 1/13, que foi a velocidade que garantia uma boa exposição em f/8 (sweet spot da minha lente em APS-C). Fiz catorze fotos. Ao tirar a média delas, obtive a da direita, que é, em termos de registro de movimento, idêntica ao que seria uma única exposição de pouco mais de um segundo. Sem filtro ND, sem precisar usar uma abertura pequena (seria preciso quase 4 stops, o que resultaria em ~f/32).

Para fazer a média no Photoshop também não é complicado: no menu File -> scripts -> load files into stack, você escolhe os arquivos e ele já empilha todos em layers em um único arquivo, inclusive com a opção de alinhar automaticamente (já que mesmo com tripé muitas vezes há um desalinhamento sutil). Depois disso, basta alterar as opacidades de cada layer para que elas se misturem na mesma proporção. A última layer (embaixo de todas) deve ter 100% de opacidade, e as outras devem ter 100/número de layers abaixo dela, mais ela mesma. Ou seja, a progressão ficaria, de baixo para cima: 100 – 50 – 33 – 25 – 12 – (…).

Existe ainda a vantagem de, com o uso de máscaras, ser possível usar graus variados de motion blur para cada parte da imagem. Se eu não quisesse que o movimento da vegetação aparecesse no resultado final, basta mascarar a região em todas as fotos com exceção de uma. Ou então é também possível combinar isso com exposições diferentes, para por exemplo preservar o céu em uma foto contra-luz em que ele estaria estourado (como no caso da foto do meu amigo).

 

P.S.: não era minha pretensão reivindicar a autoria da técnica, até porque acho pouco provável que ninguém tenha pensado nela antes, mas nunca a vi em lugar nenhum.

Retrospectiva 2011

Comecei este blog em fevereiro. Desde então, escrevi 42 vezes aqui. A enorme maioria dos leitores o descobriu nos últimos meses, e portanto imagino que tenha lido somente uma parcela do que já foi publicado, mas às vezes não tem disposição para vasculhar os arquivos. Vou listar aqui então os que foram, na minha opinião, os dez melhores posts desse primeiro ano (independentemente da categoria e sem ordem específica). Caso algum leitor mais antigo discorde da minha seleção por favor comente, pois tenho curiosidade de ver as listas de outras pessoas.

Azul

Purungo fora da tenda

Altstadt

Céu centrado

Figura frontal

Solidão

Abcdefghij

Ale e a pipa

Descendo

Fim de tarde em Barcelona

Fim de tarde em barcelona

Barcelona, Espanha, 2008

Quando se fala em exposição e white balance, é comum as pessoas acabarem escravas do próprio perfeccionismo e buscarem somente o que elas julgam uma foto bem exposta e com cores neutras. Já mencionei em outros posts que prefiro o termo “literal” ao invés de “correto” tanto para exposição quanto para white balance. Não porque seja realmente contra seu emprego (tanto do termo quanto dos parâmetros), mas porque gosto de manter sempre a lembrança de que o “literal” — ou seja, a representação mais crua, seguindo os cânones mentais de como os objetos deveriam ser — é só uma das possibilidades. A linguagem fotográfica não é realista, por mais que tenha tal propriedade atualmente a ela atribuída. Logo, não faz sentido buscar tal realismo, sendo ele por ela inalcançável, já que é tão idiossincrática e deturpadora quanto a pintura ou o desenho.

Na hora em que tirei a foto acima, ainda não tinha imaginado o resultado acima (tanto que expus normalmente e com white balance literal). Estava inclusive lamentando o tempo nublado, que causava uma luz difusa e uniforme, que a meu ver seria menos adequada à cena do que uma luz dura e contrastante. O que havia me atraído foi inicialmente a interação dos trilhos com o galpão e o céu acima, decidindo incluir o trem posteriormente com uso de grande angular na vertical.

Durante o pós-processamento, ao trabalhar o contraste no céu para aumentar a visibilidade dos raios de sol, pensei em fazer a alternativa acima. Uma subexposição leve, com os tons trabalhados com cuidado para garantir um contraste razoável apesar de tudo ficar abaixo dos meios tons. Tinha receio que o resultado ficasse inverossímil, pois uma coisa é algo não ser a realidade; outra completamente diferente é não remeter a ela, como um mágico que não consegue ocultar o caráter mundano de seus truques. Alterei o white balance para ficar mais de acordo com a subexposição, garantindo assim uma relação coerente que desviasse a atenção do fato do sol estar alto no céu.

Um dos maiores empecilhos no entendimento da linguagem fotográfica é justamente essa relação indicial (no sentido semiótico) com a realidade. Mas só ao conseguir desconstruí-la é que é possível aproveitar suas particularidades e almejar fotografar o que não existe como realidade, mas persiste como fotografia.

Vulcão Villarrica

Villarrica, Chile, 2011

Estou de volta de viagem ao Chile, a qual foi responsável pela pausa nos posts. Por lá, tive a oportunidade de tirar fotos na neve (o que não tinha há muito tempo). Resolvi então escrever este post focando na questão técnica da fotometria em cenas high-key (como as de neve). Sei que muitos leitores deste blog (se não a maioria) se interessam mais por posts que cobrem outros aspectos, então a partir de agora vou categorizar os posts de acordo com o tipo de assunto: no menu à direita é possível visualizar somente os posts de uma dado assunto.

Uma fotografia high-key é uma cujos tons sejam predominantes altos, ou seja, mais claros que o cinza-médio. Isso pode ser devido à uma superexposição intencional de um motivo convencional (como no caso de retratos high-key, com a pele nas altas-luzes e ratio baixo para não haver sombras fortes) ou pelo fato do assunto ter alta reflectância (como no caso da neve).

Em ambos os casos a câmera não terá tendência a gerar uma foto high-key, pois busca um resultado com predominância nos tons médios (o porquê e como esse processo ocorre é explicado em detalhes aqui). O que quer dizer que, em situações como as da foto acima, é preciso forçar a máquina a realizar uma exposição maior do que ela inicialmente faria (o que pode ser feito através de uma compensação EV positiva, do AE lock em algo cinza-médio, ou no modo M da câmera).

No exemplo acima, utilizei compensação EV de +1 stop, o que foi o suficiente para colocar partes da neve perto de tons que chamo de literais (ou seja, que representem a luminosidade dela de maneira condizente com nossa percepção) sem que nenhum branco estourasse. Prefiro chamar de exposição literal o que geralmente se chama de exposição correta, pelo simples fato de que o termo “correto” implica a existência do “incorreto”, o que restringiria as possibilidades de exposições não-literais. Na foto acima, a neve com angulação mais favorável ao sol estaria com tons literais, enquanto todas as outras regiões caem em tons mais baixos a partir dali.

A curva tonal padrão das câmeras busca o contraste nos meios-tons em detrimento das sombras e altas-luzes (a famosa curva em S), o que não é o ideal para cenas high-key. Para chegar ao resultado acima apliquei uma curva tonal customizada, fazendo com que a neve na sombra chegasse aos meios-tons.

Em câmeras compactas (e algumas reflex de entrada), o modo de cena de neve (geralmente com o ícone de boneco de neve) é responsável por avisar a máquina de que o processo acima deve ser feito, e também pode ser utilizado em outras situações high-key.

Céu centrado parte 2

Pinakothek der Moderne, Munique, Alemanha, 2009

(Este post é continuação do post da semana passada, que falava mais do aspecto compositivo e perceptivo da foto. Este vai tratar dos aspectos técnicos).

O local da foto é a cúpula central do teto de um museu em Munique, retratado a partir do chão com a lente apontada para cima. Definida e pré-visualizada a foto com base no desenho bidimensional proporcionado pelo princípio da simplicidade, parti para a execução: para começar, encontrar o centro exato, o que não é difícil. Neste caso o chão tinha a demarcação do centro, mas mesmo que não tivesse a posição exata fica bem evidente porque é somente nela que o desenho bidimensional fica em ordem.

Para a exposição, é preciso ter em mente que esse tipo de situação é uma contra-luz. O céu não emite luz própria, mas a intensidade da luz do sol que ele recebe é tão superior à das lâmpadas que sua luz refletida ainda a sobrepuja sem dificuldade. Aos olhos esse contraste é atenuado severamente, e as regiões de sombras na foto são enxergadas como se fossem meios-tons.

O fato do vidro da cúpula não ser totalmente translúcido cria três níveis de luminosidade: o centro imediato, onde se enxerga o céu sem obstáculos; o céu através do vidro, menos luminoso; e o interior do prédio, muito mais escuro. Colocando o primeiro nas altas-luzes (mais precisamente na zona IX, para quem entende o sistema de zonas de Ansel Adams), o segundo caía nos meios tons (zona VI) e o terceiro quase no preto (zona I). Na revelação do RAW resgatei um pouco o primeiro nível para obter um azul mais saturado (uma vez que na zona IX ele se aproximava muito do branco) visando deixar mais evidente o fato de que naquela região não há vidro.

Para focar simplesmente usei o ponto central travado na borda do círculo menor e recompus logo em seguida para restaurar a centralização do enquadramento. Não havia preocupações com profundidade de campo, uma vez que a diferença de distância entre o ponto mais próximo do desenho e o mais afastado não era significativa, então defini como abertura o sweet spot desta lente, que neste caso em um sensor APS-C se encontra em f/8.

*Esta foto foi utilizada para ilustrar um poema no blog “design Di poesia”. Veja o post aqui.

Foto de Köln sem a dom

Colônia, Alemanha, 2007

O ideal para fotografia de paisagens é o uso de um tripé, especialmente para fotos noturnas. Em muitas situações, contudo, o tripé se torna demasiado incômodo (principalmente para mochileiros), mas em muitos casos é possível improvisar. Algumas vezes o ambiente oferece alternativas para fixação da máquina.

Para fazer a foto acima coloquei a câmera sobre o parapeito da ponte onde eu estava. A luz da igreja era muito fraca, mas percebendo que a câmera estava bem fixada, parti de ISO 100 visando minimizar o ruído randômico. Em f/5,6 o fotômetro me indicava 30 segundos (o tempo de exposição máxima que a câmera determinaria automaticamente), o que também seria bom para suavizar as ondulações da água do rio. Cogitei trocar para o modo M e definir velocidade em bulb para que pudesse usar uma abertura menor, mas tinha um certo medo de precisar de várias tentativas, e havia uma certa pressão implícita para que me apressasse, uma vez que estava com amigos apenas de passagem por ali.

Procurei uma posição ao longo da ponte que me possibilitasse o ângulo desejado, em que a igreja e o barco ocupassem uma porção razoável do quadro mas ainda fosse possível ver as casas e árvores ao longo da margem. Defini então uma distância focal na medida certa para excluir do quadro o parapeito.

Minha próxima preocupação eram os trens que passavam na ponte quase todo minuto, o que fazia com que toda a estrutura tremesse muito mais do que se segurasse a câmera na mão. Quanto a isso não havia o que fazer, e eu preferia me arriscar e ter de fazer mais tentativas a aumentar o ISO de imediato. Por sorte, já durante a primeira tentativa não passou nenhum trem. Depois de uma foto bem-sucedida, contive a tentação recorrente de ir até f/8, que eu julgava ser o sweet spot da lente na época, e me apressei para alcançar o grupo. Imagino que se tivesse feito a foto em f/8 teria apagado a anterior, o que se provaria como uma decisão infeliz: descobri posteriormente que o sweet spot daquela lente naquela distância focal (35mm) não era f/8, e sim justamente f/5,6.